Conselheiros do Conselho Federal de Medicina (CFM) defenderam norma do órgão que proibia o método da assistolia fetal, utilizado por médicos em abortos nos casos de estupro quando a gestação tem mais de 22 semanas. A participação ocorreu nesta segunda-feira (17) em sessão de debate temático no Plenário. A resolução do CFM, porém, foi suspensa em maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto a corte não decidir definitivamente sobre o tema.
A assistolia consiste na injeção de substâncias na cavidade uterina da gestante que causam a perda das funções vitais do feto e evitam o nascimento com vida. As substâncias utilizadas são o cloreto de potássio, a digoxina e a lidocaína.
A sessão atendeu a requerimento ( RQS 412/2024 ) do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que presidiu o debate. Ele afirmou que considera que há vida desde o início da gravidez e criticou a técnica.
— Eu aboli o termo biologicamente correto, que é “feto”, pois para mim [em] todos os estágios da gravidez é uma criança… Antes de sonhar estar servindo como senador da República, eu vinha aqui nas comissões segurar cartaz [em manifestação contrária ao aborto]. Esse é um debate que o povo brasileiro considera importante, os dois lados — disse Girão.
O senador lamentou a ausência da ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, ou de outro representante da pasta, que foram convidados por Girão. Os 18 convidados se manifestaram contrários à técnica abortiva. Também participaram da sessão os senadores Jorge Seif (PL-SC), Damares Alves (Republicanos-DF) e Marcos Rogério (PL-RO).
Relator da resolução do CFM, o conselheiro Raphael Câmara Medeiros Parente afirmou que a Resolução 2.378, de abril de 2024, não obriga as vítimas de estupro a prosseguirem com a gravidez. Segundo ele, é possível antecipar o parto a partir de cinco meses e duas semanas, com viabilidade de vida. Quando há a decisão pela assistolia, o conselheiro afirmou que o feto sente dor. Raphael Parente também é médico ginecologista e obstetra.
— [Mesmo após assistolia] há um trabalho de parto, a mulher pariu o bebê morto. Ele vai sair, ou por cesariana ou por via vaginal. Não é verdade que a gente está dizendo que tem que ficar com aquela gravidez até nove meses. Só não mate o bebê antes… Por que tem que matar antes? [...] Se salva a vida, antecipando-se [o fim da] gravidez e pronto. Aquele bebê vai ser cuidado pelo Estado e vai ser colocado para adoção. Quando há [um feto] com 22 ou 23 semanas, não há nenhuma divergência [sobre sentir dor]. O único suposto benefício da assistolia é a mãe não ouvir o choro do bebê, traumas psiquiátricos — disse Raphael Parente.
Os conselheiros do CFM, que é o órgão responsável por fiscalizar e regulamentar a atuação da profissão, também criticaram a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que suspendeu a norma. Segundo Moraes, o órgão “transborda do poder regulamentar, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei”.
A conselheira federal Rosylane Nascimento das Mercês Rocha afirmou que o texto foi aprovado pela assessoria jurídica do CFM e amplamente debatida no órgão.
— O CFM tem competência legal de normatizar o exercício ético da medicina… A resolução em particular passou na Câmara Técnica de Bioética e na Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. Houve um processo longo de discussão técnica e ética. Essa normativa de forma alguma tentou vilipendiar os direitos dessas mulheres ou não atentou para a delicadeza e traumas que essas mulheres sofrem.
Com a liminar judicial, a técnica continua sendo permitida. A decisão foi provocada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que argumenta que a assistolia fetal é “crucial para a garantia do aborto em gestações acima de 20 semanas decorrentes de estupro” e que haveria perigo de demora na fila dos procedimentos do gênero caso a proibição fosse mantida.
Para o presidente do CFM, José Hiran da Silva Gallo, os problemas na execução do aborto permitidos em lei — em caso de estupro, de risco de morte da mãe ou de filhos anencéfalos — não são culpa do CFM, mas do governo federal. Além disso, ele disse que não houve inovação na proibição.
— Culpar o CFM e a resolução pelos problemas do aborto legal no Brasil configura uma falácia[ …] No Brasil, atualmente 92 serviços oferecem aborto legal, distribuídos em 20 estados. Estamos evidentemente diante de uma estrutura tímida [...] Em 1999, o Ministério da Saúde publicou “Manual de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, no qual já se previa que o aborto só poderia ser realizado até a 22ª semana de gestação. Essa norma foi republicada em 2013.
Gallo, que é médico e pós-doutor em bioética, ainda afirmou que a decisão do CFM levou em consideração “aspectos éticos e bioéticos a partir da análise de princípios como a beneficência, e não a maleficência”. Ele apontou que o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) veda desde 2012, na eutanásia de animais, o uso de cloreto de potássio, que é uma das formas comumente usadas na assistolia. Segundo a norma, o uso da substância é considerado "método inaceitável".
Além do cloreto de potássio, que é aplicado no coração do feto, também são comumente utilizados os fármacos digoxina (no líquido amniótico ou no tecido fetal) e lidocaína (no líquido amniótico), segundo o CFM . O deputado Zacharias Calil (União-GO), que é médico cirurgião pediátrico, explicou o funcionamento da assistolia fetal.
— Usando o ultrassom você identifica o coração [do feto]. Não é fácil, porque a criança está viva, está ativa. À medida que você vai chegando com o objeto [agulha], ela vira pra um lado, vira para o outro […] Consiste em você pegar cloreto de potássio e lidocaína, que é talvez para a criança não sentir dor […] Aí o médico tenta localizar e injeta essa substância extremamente dolorosa, é um método cruel, e através dessa substância a criança vai a óbito — detalhou o deputado.
O conselheiro do CFM Raphael Parente explicou que o método existe desde a década de 80. Antes disso, segundo ele, o aborto era realizado com a retirada do feto por partes.
Os participantes lembraram que a Câmara dos Deputados analisa o projeto de lei (PL) 1.904/2024 , que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro. O senador Girão e as deputadas Bia Kicis (PL-DF) e Chris Tonietto (PL-RJ) apoiaram o texto.
Também participaram da sessão a presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida, Lenise Garcia; e a defensora pública do Distrito Federal Bianca Cobucci Rosière, entre outros.
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