Representantes das Nações Unidas apontaram, nesta segunda-feira (2), a prevenção e a mitigação de mudanças climáticas como ações necessárias para amenizar futuros deslocamentos causados por desastres naturais no Brasil. As afirmações ocorreram em audiência pública realizada na Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) do Congresso Nacional.
A reunião foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que destacou as enchentes no Rio Grande do Sul no primeiro semestre como exemplo de um novo perfil nas migrações que ocorrem dentro do território nacional. Segundo o governo gaúcho, até 20 de agosto havia quase R$ 2,4 milhões de afetados e 183 óbitos.
— São, sem dúvida, a maior catástrofe natural da história do país e provocarão, pela primeira vez, deslocamentos internos em massa por efeitos climáticos. Ao longo dos anos, o deslocamento interno no Brasil foi motivado principalmente por fatores econômicos. Porém, temos identificado que as calamidades humanas, como o rompimento de barragens, como Brumadinho, e outras calamidades naturais, como enchentes e secas, têm assumido o protagonismo nesse processo — disse Paim.
O senador também foi o responsável por requerer o debate no colegiado ( REQ 9/2024 ), a fim de instruir as discussões sobre a criação de uma Política Nacional para Deslocados Internos. De autoria de Paim, a política tramita sob o projeto de lei (PL) 2.038/2024 e busca assegurar direitos — como não discriminação, saúde e liberdade de locomoção — de residentes brasileiros que se veem obrigados a mudar o local da habitação em razão de calamidade humana ou natural, de violação de direitos ou de conflito ou violência armada. Para isso, o texto estabelece princípios, diretrizes e instrumentos para a implementação das futuras políticas públicas.
Para a oficial de Proteção do Acnur Brasil (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) Silvia Sander, as pesquisas do organismo internacional demonstram correlação crescente entre efeitos das mudanças climáticas e outros fatores de deslocamento. Segundo ela, os números anuais dessas vítimas continuará crescendo, com casos associados ou agravados por eventos decorrentes de mudanças climáticas.
— Ao final de 2023, 75% das pessoas deslocadas internas estão em países altamente vulneráveis às mudanças climáticas. Esses eventos relacionados ao clima têm sido o principal motor de novos deslocamentos internos nas Américas. Conforme dados do Banco Mundial, até 2050, estima-se que mais de 17 milhões de pessoas se deslocarão dentro dos seus próprios países na América Latina, devido a questões relacionadas às mudanças climáticas.
Sander elogiou o projeto de lei por se inspirar nos Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos da ONU. Ambos os documentos, por exemplo, atribuem ao Estado a responsabilidade de suprir as diferentes necessidades de cada grupo afetado (como idosos, mulheres e crianças). Mas, para ela, o país precisa amadurecer o planejamento de contingências, que muitas vezes podem ser previstas antecipadamente.
— É preciso ampliar a lógica de preparação antes do desastre. Talvez nos falte uma discussão mais aprofundada sobre que tipo de medida, não só preventiva, mas também de resposta emergencial, precisa ser adotada quando essas situações acontecerem. Quais estruturas já têm que estar preparadas, como abrigamento emergencial, para serem rapidamente ativadas? Quais mecanismos de coordenação têm que ser colocados em funcionamento para definir quem vai fazer o quê, onde e com qual orçamento? [...] Alguns [países] começaram [essas discussões] há dez anos, outros estão começando mais recentemente, mas o fato é que a gente tem que acelerar essa conversa — afirmou Sander.
A relatora especial sobre direitos humanos das Nações Unidas sobre deslocados internos, Paula Gaviria Betancur, defendeu que a resposta aos deslocamentos deve partir de diversas políticas públicas conjugadas que enfrentem suas causas.
— Uma política eficaz deve produzir [...] medidas que enfrentem os fatores subjacentes do deslocamento, medidas como a mitigação das mudanças climáticas; aumentar a coesão social; fortalecer mecanismos locais de resolução de conflitos; sempre garantir a participação e o consentimento das comunidades afetadas [...] Uma única lei não soluciona todos os problemas [...]Eu li com atenção o projeto, vocês estão seguindo por um bom caminho— avaliou.
O consultor do Senado Tarciso Dal Maso Jardim, que participou da elaboração do projeto de lei, destacou a obrigação de todas as unidades da Federação colaborarem com as medidas para regresso, realocação e reintegração dos deslocados internos. Segundo ele, o projeto se inspirou na Lei de Migração ( 13.445, de 2017 ) ao reproduzir o princípio da solidariedade federativa.
— Quando há uma massa de deslocamento de pessoas, o primeiro ponto de chegada muitas vezes não tem condição de dar conta do padrão mínimo de dignidade que essas pessoas merecem. É possível ter solução federativa para enfrentar como país essa situação — afirmou o consultor.
Dal Maso, que é gaúcho, ainda apontou a previsão de medidas duradouras para assegurar a integridade das vítimas como novidade no texto, além das medidas emergenciais.
— [...] “Duradoura” envolve questões educacionais para as crianças, envolve saneamento, segurança, enfim, e isso dentro de um pacto federativo que deve financiar, pensar e financiar todo esse movimento.
A representante do Ministério da Justiça, Carolina Morishita Mota Ferreira, defendeu que a mera indenização em dinheiro é insuficiente para reparar os danos causados pelos acidentes. Para ela, a política proposta foge desse erro ao obrigar as autoridades públicas a prestar auxílios de modo amplo, como a reunificação familiar o mais rapidamente possível. Ela usou os deslocamentos ocorridos em Maceió (AL) após 2018, em decorrência do afundamento do solo em diversos bairros por conta da exploração mineral do sal-gema, como exemplo dos desafios da separação familiar.
— O mais automático é a gente pensar na perda da residência, mas existe uma perda dos vínculos afetivos e da rede de apoio. [Em Maceió] as famílias não foram realocadas conjuntamente. Elas foram espalhadas por diferentes bairros e, com isso, as mães que deixavam seus filhos com uma vizinha, uma familiar de confiança, hoje precisariam se deslocar por toda uma cidade para ter esse apoio. Isso afeta especialmente as mulheres.
O projeto ainda prevê que todos os deslocados internos têm o direito de conhecer o destino e o paradeiro dos seus familiares desaparecidos e que as autoridades devem esforçar-se para localizar o destino dos desaparecidos e informar os familiares sobre os resultados das buscas.
A Política Nacional para Deslocados Internos foi apresentada em maio à Mesa do Senado Federal e ainda não possui comissões designadas para sua discussão.
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