A luta contra a violência política de gênero precisa incluir a busca por mais mulheres em espaços de poder. A conclusão é das participantes de audiência pública feita nesta quarta-feira (4) pela Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM). Na reunião, representantes do poder público e de organizações não governamentais debateram as ferramentas de combate à violência política de gênero.
O debate foi feito por iniciativa da senadora Augusta Brito (PT-CE), presidente da comissão. Ela diz ter recebido vários relatos de violência política sofrida por candidatas nas eleições municipais deste ano. Para a senadora, as instituições precisam trabalhar em conjunto para mudar esse cenário.
— A intenção dessa audiência pública é exatamente integrar as ações que estão acontecendo em todas as instituições (...). Vamos integrar essas ações do combate à violência política de gênero para um grande impacto nacional no combate à violência política, para que possamos ter uma força maior e um alcance maior — disse a senadora, que apresentará um requerimento para integrar o trabalho das instituições representadas na audiência.
Legislação
A violência política contra a mulher é crime desde 2021, quando foi sancionada a Lei nº 14.192 . Pela lei, é crime eleitoral assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. Já a Lei 14.197, de 2021 , incluiu no Código Penal o crime de restringir, impedir ou dificultar o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Apesar disso, a violência contra as mulheres nesses espaços é uma realidade presente no Brasil e também no mundo. Dados da organização global que reúne os parlamentos nacionais (Inter-Parliamentary Union – IPU) mostram que 82 % das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica; 45% já sofreram ameaças e 25 % sofreram violência física no espaço parlamentar. A violência atrapalhou a agenda legislativa, de acordo com 40% das entrevistadas.
O Censo das Prefeitas,do Instituto Alziras, aponta que 58% das prefeitas afirmam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de serem mulheres. Os dados foram apresentados pela coordenadora-geral de Participação Política das Mulheres em Espaço de Poder, do Ministério das Mulheres, Andreza Silva Xavier. Para ela, a exclusão das mulheres dos espaços de poder é proposital.
— A violência política é uma estratégia para restringir, para obstaculizar a presença das mulheres, em toda a nossa diversidade e pluralidade nesses espaços de poder e decisão. Tem o objetivo de excluir a presença das mulheres do espaço público, dos espaços que são de tomada de decisão inclusive sobre suas próprias vidas.
Sociedade
Para a ministra Edilene Lôbo, do Tribunal Superior Eleitoral, a luta contra a violência de gênero não é somente a luta de algumas pessoas, mas sim de toda uma sociedade que busca se tornar próspera. A exclusão da mulher dos espaços de poder, na visão da ministra, torna a política pior e, consequentemente, a vida de todas as pessoas piora também.
— Essa exclusão das mulheres nos espaços decisórios em geral, marcadamente o espaço da política, torna a política pior, torna a sociedade pior, torna a vida de todas as pessoas pior, então falar desse assunto é falar de vida boa para todo mundo — disse a ministra.
A secretária-geral da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, desembargadora Andréa Pachá, afirmou que a política é a saída para o cenário de violência enfrentado pelas mulheres. Para ela, não é possível enfrentar essa realidade apenas falando sobre violência, sem pensar em maneiras de dar efetividade à participação igualitária das mulheres no espaço político e no espaço do exercício de poder.
— Se é um assombro que nós precisemos, em 2024, discutir o enfrentamento à violência política de gênero, é ainda mais assombroso que tenhamos que lidar com um cenário permanente de violência e é uma indignidade que as mulheres precisem se submeter a esse lugar para fazer prevalecer um direito que não é só das mulheres, mas de toda a sociedade — argumentou.
Percepção sobre a violência
A coordenadora do Observatório da Mulher Contra a Violência do Senado, Maria Teresa Firmino Mauro, apresentou dados da Pesquisa Mulheres na Política 2022. O levantamento mostrou que um terço das mulheres entrevistadas declararam ter sofrido discriminação no ambiente político em razão do seu gênero. Entre as principais violências sofridas estão a interrupção das falas e a desqualificação em razão do gênero.
—Na violência vivida e declarada, a gente vê outra diferença também: essa mulher, muitas vezes não identifica as coisas que ela vivencia na política como uma violência. Quando a gente coloca situações de violência para aquelas candidatas que disseram que não sofreram violência, aí sim isso aparece. Em especial eu destaco duas: a questão do ser impedida, interrompida na fala, e a questão da desqualificação em função do gênero — destacou a coordenadora, que anunciou a realização de uma nova pesquisa em 2024.
Ana Cláudia Oliveira, coordenadora de Pesquisas do Observatório Nacional da Mulher na Política e representante do observatório na Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, afirmou que as mulheres não deveriam precisar ser heroínas para entrar na vida política. Para ela, não adianta fazer cotas e leis para punir os agressores sem fortalecer as mulheres para que entendam que é um processo estrutural e consigam permanecer no ambiente político.
—Elas não deveriam ter que ser tão guerreiras, tão heroínas. Deveria ser simplesmente uma escolha: “eu quero me dedicar à vida pública, eu quero servir o meu país, a minha cidade, o meu estado”, mas não é. Para além de tomar essa decisão, elas têm que tomar uma decisão de acabar a saúde mental, com a saúde mental da família, deixar os filhos, porque não é um espaço feito para mulheres, não é um espaço feito para mães — lamentou.
Rafaella Mikos Passos, coordenadora do Observatório da Violência contra a Mulher da Defensoria Pública da União, e Raquel Branquinho, procuradora regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero (GT-VPG) do Ministério Público Eleitoral, falaram sobre a necessidade de que as mulheres compreendam quais atos vividos diariamente são caracterizados como violência política.
Recorte racial
A procuradora citou a Emenda Constitucional 133 , promulgada em agosto, como um retrocesso na luta pelos direitos das pessoas negras e também das mulheres nos espaços de poder. O texto permite que partidos multados por terem descumprido a aplicação mínima de recursos em candidaturas de pretos e pardos em eleições passadas tenham débitos cancelados. Para isso, precisam investir esses valores em candidaturas que se enquadrem nas cotas raciais nas quatro eleições a serem realizadas a partir de 2026.
—Essa PEC implica em retrocesso tanto para garantir os direitos das pessoas negras como também das mulheres nos espaços de poder porque relativiza todas as políticas afirmativas que estão sendo geridas por legislações e decisões dos tribunais superiores, passando para própria sociedade uma mensagem de que o Parlamento não está entendendo a gravidade, a importância dessa temática — lamentou.
A necessidade de inclusão das mulheres também com foco na questão racial foi lembrada por outros debatedores, como a advogada Cristiane Damasceno, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB.
Futuro
Para a senadora Leila Barros (PDT-DF), líder da bancada feminina no Senado, toda a luta para que as mulheres ocupem mais espaços de poder é um processo longo e que gera resultados lentamente, por isso a necessidade de persistir.
— Os alicerces que nós estamos hoje plantando são para o futuro, não para nós. Eu tenho absoluta consciência disso — disse a senadora, que cobrou dos homens o envolvimento nessa luta.
A senadora Jussara Lima (PSD-PI) também afirmou que é preciso cobrar dos parlamentares homens a participação nesses debates. O único senador a participar da audiência foi Fabiano Contarato (PT-ES), que apontou a responsabilidade do Senado para reduzir a desigualdade de gênero nos espaços de poder.
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