Em maio, as enchentes levaram destruição a Porto Alegre e a outros 470 municípios gaúchos. Já em setembro, as queimadas consumiram parte da flora e fauna da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado e deixaram várias cidades sob uma densa fumaça. Essas tragédias escancaram a necessidade de as cidades estarem preparadas para enfrentar o agravamento da crise climática e coloca de vez a questão ambiental como tema central nas eleições municipais.
O fogo e a chuva não estão preocupados se cabe ao município, ao estado, ao Distrito Federal ou à União a responsabilidade do enfrentamento dos desastres, mas é nas cidades que essas calamidades se manifestam, conforme destaca o presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM), Ary Vanazzi.
O presidente da ABM ressalta que a conscientização da população sobre a questão climática está em ascensão e é vital que a sociedade cobre ações efetivas de prefeitos e vereadores. Ele destaca que os municípios têm um papel crucial no enfrentamento das mudanças climáticas.
— A questão climática não é só responsabilidade das prefeituras, mas é nas cidades que os desastres acontecem. Então é importante que a população cobre dos candidatos projetos para tornar as cidades mais resilientes, reduzindo os impactos dos eventos extremos no seu território. As cidades são agentes essenciais tanto para a mitigação quanto na adaptação a esses desafios — afirma Vanazzi.
Ele sugere que a gestão pública deve implementar uma defesa civil robusta, capaz de atuar em momentos de crise para proteger a população. Vanazzi também enfatiza a importância do planejamento urbano de longo prazo.
— A gestão pública precisa ter uma brigada, precisa ter uma defesa civil que possa atuar no momento do desastre e salvar a vida da população. Mas os prefeitos e vereadores também precisam planejar melhor suas cidades, fazer planejamento de longo prazo. As pessoas têm de ter direito a moradia em lugares que não são tão diretamente afetados por chuvas e secas — aponta.
A posição do presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM) é reforçada por declaração recente do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Em entrevista na quinta-feira (3), Lewandowski ressaltou a importância de iniciar a prevenção de incêndios em nível municipal e propôs a criação de corpos de bombeiros municipais, inspirando-se no modelo das guardas municipais.
No entanto, a questão do financiamento permanece crucial. Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 49% das cidades brasileiras encerraram 2023 com déficit financeiro, o que significa que quase metade dos municípios não conseguiu equilibrar suas contas. Vanazzi aponta que a maioria dos municípios brasileiros carece de estrutura técnica para enfrentar essas questões.
— A gente pensa muito em financiamento, e com certeza precisamos investir muito mais na mitigação e adaptação para as mudanças climáticas, mas também precisamos ter uma equipe nas prefeituras que saiba lidar com o tema.
Ele reforça que o enfrentamento da crise climática é um desafio que exige a articulação com todas as esferas de governo, incluindo estados, governo federal e Congresso Nacional. Vanazzi acredita que o governo federal tem mostrado disposição em melhorar essa gestão federativa, mas ressalta que ainda estamos distantes do que é necessário.
— Isso vai exigir uma coordenação entre governo federal e estados, para que essa capacitação chegue na ponta, na equipe da prefeitura. É preciso que o governo federal, que as entidades internacionais e que os governos estaduais contribuam com treinamento, com assessoria técnica, criando financiamento, criando linhas de crédito para que os municípios possam realizar as ações. Ainda estamos muito aquém do que precisamos — avaliou o presidente da ABM.
Embora os desafios permaneçam significativos, o Congresso Nacional continua a discutir medidas para assegurar que os recursos cheguem efetivamente aos municípios. O socorro ao Rio Grande do Sul, por exemplo, foi tema de 25 medidas provisórias até julho. Atualmente, estão em análise no Senado e na Câmara iniciativas destinadas a avançar no combate às queimadas, incluindo a Medida Provisória (MP) 1.259/2024 , que flexibiliza as regras para repasses financeiros a estados para ações de prevenção e combate a incêndios.
De acordo com essa medida, estados e o Distrito Federal poderão acessar recursos por meio de empréstimos ou doações de instituições financeiras, mesmo quando possuam casos de irregularidade ou pendências fiscais, trabalhistas ou previdenciárias. Para que os repasses sejam viabilizados, é necessário que a situação de calamidade pública ou emergência seja reconhecida pelo governo federal, e a medida permanecerá em vigor enquanto essa condição for mantida.
Em uma recente entrevista, a presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) , Leila Barros (PDT-DF), enfatizou a necessidade premente de aumentar os recursos destinados à fiscalização e proteção ambiental, em virtude do alarmante aumento no número de incêndios florestais no Brasil.
— Nós, que criamos as leis, que revemos as leis e discutimos o Orçamento, sabemos que muitos desses órgãos de preservação foram de alguma forma desmontados, principalmente na questão orçamentária. Estamos em um momento com muitos danos econômicos, danos à saúde, além dos danos ambientais — afirmou ela.
Outros projetos estão em discussão no Congresso, entre eles um projeto de lei da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) que estabelece, como diretriz da política urbana, o fomento à construção de cidades resilientes às mudanças climáticas. Aprovado em junho no Senado, com modificações, o PL 380/2023 foi enviado de volta à Câmara dos Deputados para uma nova votação.
A deputada destaca, nessa proposta, a importância de estudos de análise de risco e vulnerabilidade. Ela argumenta que tais estudos são ferramentas fundamentais para equipar os gestores municipais com as informações necessárias para adotar medidas de prevenção e mitigação dos impactos sociais e ambientais resultantes de eventos climáticos.
O texto prevê a identificação dos grupos mais vulneráveis da população, levando em consideração critérios como gênero, raça e renda, como esclareceu o relator do projeto, senador Fabiano Contarato (PT-ES).
— Sabemos que a vulnerabilidade climática é maior entre as populações negras e periféricas, em decorrência do que tem sido chamado de racismo ambiental — destacou Contarato durante a análise da matéria.
Outro projeto de lei (o PL 4.129/2021 ), apresentado pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), foi aprovado este ano pelo Senado e já se tornou lei ( Lei 14.904, de 2024 ). Essa nova legislação estabelece diretrizes gerais para que estados, municípios e o Distrito Federal elaborem e revisem seus planos de adaptação à mudança do clima, com incentivo à sua implementação.
Durante o debate dessa proposta, que ocorreu em meio à tragédia no Rio Grande do Sul, o relator da matéria, senador Jaques Wagner (PT-BA), reforçou a necessidade de um esforço conjunto a fim de preparar os municípios para o novo momento climático.
— É fundamental que os entes federados se articulem para planejar e implementar de forma adequada suas políticas públicas com foco na adaptação à nova realidade, de modo a evitar ao máximo possível os prejuízos ambientais, econômicos e sociais que se avizinham. Assim, os planos de adaptação à mudança do clima são instrumentos da maior importância — disse o senador.
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