Em meio às discussões sobre ajuste fiscal pelo governo federal e com a possibilidade de ser alvo de corte orçamentário, pesquisadores e cientistas saíram em defesa da valorização do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e do não contigenciamento financeiro desse investimento. A manifestação ocorreu nesta quarta-feira (13), durante audiência pública da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT), conduzida pelo senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), autor do requerimento para o debate.
O FNDCT é um dos principais mecanismos de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico do país e, ao longo dos anos, tem sido crucial para o fortalecimento de setores estratégicos. Essa foi a primeira de três audiências a serem realizadas no colegiado sobre a importância e a governança do fundo.
O secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),Luis Manuel Rebelo Fernandes, reforçou a importância da Lei Complementar 177, de 2021 , que proibiu o contingenciamento dos recursos do FNDCT, marcando um avanço significativo na liberação financeira a projetos de desenvolvimento científico e tecnológico.
Ele disse que a arquitetura do fundo está plenamente alinhada com a sustentabilidade fiscal dos seus investimentos, já que há o retorno duplo das operações de crédito realizadas por meio do investimento reembolsável, operado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Além disso, segundo ele, o próprio fundo é responsável por ampliar a sua capacidade de investimento, oferecendo autonomia, sustentabilidade e retorno positivo para várias áreas da sociedade.
— A arquitetura do fundo, consolidada na lei do FNDCT, ela garante a arrecadação destinada aos investimentos do fundo, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ela cobre duplamente o custo fiscal da operação do fundo porque o que é reembolsável não ocupa espaço fiscal, então os investimentos do fundo estão duplamente cobertos. Então eu acho que este é um ponto muito importante para o debate público e para o debate que vai se travar aqui no Congresso.
A Lei Complementar 177, de 2021 , recuperou a capacidade de financiamento do fundo, que é constituído por fundos setoriais, de natureza contábil e financeira, que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico.
A gestão do recurso é exercida pela Finep, com duas linhas de incentivo. A reembolsável, quando os recursos liberados às empresas são feitos por linhas de crédito atrativas, e a não reembolsável, quando o investimento é feito diretamente aos centros e institutos de pesquisa e desenvolvimento.
Desde de 2023, com a plena vigência da lei do FNDCT, os recursos foram integralmente liberados. No ano passado foram quase R$ 10 bilhões. Sendo R$ 5 bilhões para projetos reembolsáveis e R$ 5 bilhões para não reembolsáveis. Já em 2024, foram R$ 12,7 bilhões no total, sendo R$ 6,3 para reembolsável e R$ 6,3 para não reembolsável.
O senador Astronauta Marcos Pontes destacou que não existe, no mundo, país desenvolvido que não priorize o investimento em desenvolvimento científico e tecnológico. Ele lembrou que o fundo foi alvo de contigenciamento por muitos anos, mais recentemente a partir de 2015, tendo seus recursos liberados novamente, integralmente, pela lei complementar, sancionada em 2021, quando ele estava à frente do Ministério de Ciência e Tecnologia. No entanto, a nova legislação começou a ser cumprida apenas em 2023, depois de o Congresso ter superado o veto à matéria, no governo passado, e o envio de uma medida provisória que resgataria o contigenciamento.
Ele manifestou preocupação com a possibilidade de novo represamento de recurso com os estudos para cortes nas contas públicas federais.
— Queremos demonstrar aqui a nossa extrema preocupação, e eu falo isso, com certeza, em nome da comunidade científica, da possibilidade de contigenciamento, novamente, desse fundo. O que seria um erro muito, mas muito grande para o país.
Segurança e previsibilidade
Na avaliação do diretor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Olival Freire Junior, o pior cenário para as atividades científica e tecnológica é o de imprevisibilidade. Sendo uma atividade de alto risco e que requer estabilidade no médio e longo prazo, ele afirmou que antes da lei, o setor não tinha previsibilidade, convivendo com incertezas, até mesmo, de curto prazo.
Ele citou como exemplo a insegurança durante a transição dos mais recentes governos, com a pendência para a concretização de projetos importantes, como a instalação de novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). Essas unidades são voltadas a promover a formação de redes multi-institucionais e interdisciplinares dedicadas à investigação científica em temáticas estratégicas e enfrentamento a grandes desafios nacionais.
— Esses INCTs, embora aprovados, eles não tinham garantia de financiamento. No momento em que o FNDCT ficou descontingenciado, o CNPq recebeu R$ 60 milhões para poder financiar esses INCTs. No momento seguinte, o CNPq teve que devolver R$ 48 milhões, de modo que só R$ 12 milhões, dos R$ 300 milhões da previsão global, e só investimos R$ 12 milhões. Portanto os INCTs de 2020 e 2022 não tinham a garantia que iam sair do papel.
Atualmente o programa para instalação dos INCTs conta com recurso da ordem de mais de R$ 1,6 bilhão.
O reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Valder Steffen Júnior, que coordena a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), representante de quase 70 instituições, reconheceu que o atual governo tem feito um trabalho para recompor as bases de financiamento da ciência e tecnologia no país. Ele concordou com a política de gestão e financiamento do FNDCT e reforçou que a possibilidade de contigenciamento dos recursos para essa área vai comprometer o projeto científico e de desenvolvimento econômico e social.
— Essa medida é responsável pela retomada gradual dos investimentos nas instituições de ciência e tecnologia do país e em programas estratégicos, tendo sido possível recuperar perdas orçamentárias enfrentadas recentemente pelo próprio MCTI, pelo Cnpq e até pela Capes. Por isso mesmo temos feito coro com a expressão “A Ciência Voltou” e isso apesar das enormes dificuldades orçamentárias que ainda enfrentam o MEC, as universidades federais, os institutos federais, exigindo a recuperação dessas instituições — disse, defendendo mais recursos do fundo para que o CNPq atenda mais projetos de pesquisa como incentivo ao cientista iniciante.
Governança
O diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, explicou que os comitês gestores de cada fundo setorial selecionam as propostas a serem aprovadas pelo Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, formalizando o Plano Anual de Investimento (PAI) para aplicação dos recursos de cada ano.
Em 2023, os recursos foram investidos em 10 programas estruturantes e mobilizadores, com relevância e impacto sobre o desenvolvimento do país, em 36 áreas de atuação como a transformação digital, inovação para reindustrialização em bases sustentáveis, saúde, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Ele deu como exemplo um dos programas voltados à recuperação e à expansão da infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica nacional, o Pró-Infra. Com o orçamento de 2023, foram lançados três grandes editais que, incialmente, previa investimento de R$ 1,9 bilhão, no entanto, após a avaliação da qualidade e relevância dos propostas, houve suplementação de recursos e novos projetos passaram a ser atendidos.
— Esses editais todos passaram por avaliação de pares e o resultado deles foi que nós tivemos, para um investimento previsto de R$ 1,9 bilhão, dada a uma demanda qualificada muito grande, nós conseguimos suplementar os editais com R$ 1,4 bilhão, e vale lembrar que nós tivemos um edital emergencial para o Rio Grande do Sul de R$ 50 milhões.
Representatividade e transparência
Como um passo importante de melhoria para a escolhas de projetos e execução do FNDCT, os representantes de agências de estado e setor empresarial, reivindicaram mais diversidade na representação do Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e nos comitês gestores de cada fundo setorial. Entre os membros do conselho diretor estão a ministra do MCTI, Luciana Santos; o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão e o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera.
— Nós consideramos que a constituição do CD não é hoje representativo da nossa comunidade. Tanto que nós apresentamos ao Ministério de Ciência e Tecnologia uma solicitação para a recomposição do Conselho Diretor incluindo não só a participação do Confap [Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa] ou do Consecti [Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência,Tecnologia e Inovação], mas também representações das nossa universidades públicas — disse, Odir Dellagostin, presidente do Confap.
O presidente da Federação das Sociedades de Biologia Experimental, Eduardo Colombari, também lamentou a falta de diversidade, no Conselho Diretor do FNDCT. Na avaliação dele, uma maior representatividade daria uma visão ampla das prioridades de outros setores, pulverizando o incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico no país.
Ele também defendeu mais transparência e eficácia no sistema avaliativo de custo e impacto do investimento de cada projeto para a sociedade.
— A transparência em cada uma das etapas é crucial para que a confiança pública seja mantida e para assegurar que o financiamento atenda o interesse nacional. Ciência e tecnologia não é gasto, é investimento. Essa clareza é também importante para que o setor científico industrial alinhe suas estratégias conforme as prioridades nacionais. Maior transparência ajudaria a comunidade científica e a sociedade a entenderem o processo e a acompanharem o impacto dos projetos financiados, criando uma sinergia com a sociedade e valorização do investimento público.
Também participaram do debate o reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e representante de Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), Leandro Vanalli, e o secretário-executivo da Secretaria de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação do Distrito Federal e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti), Alexandre Villain.
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