A Câmara Legislativa do Distrito Federal promoveu, na noite desta terça-feira (10), a audiência pública “Endividamento e renegociação de dívidas com o BRB”, de autoria da deputada Paula Belmonte (Cidadania). O encontro serviu para ouvir relatos de servidores e representantes de classe sobre possível descumprimento por parte do banco da lei nº 7.239/23 , que estabelece o crédito responsável e assegura a garantia do mínimo existencial para os endividados.
Servidores ativos e aposentados utilizaram o púlpito para narrar situações humilhantes que estariam enfrentando por conta de cobranças abusivas que vêm sendo feitas pelo banco. Um grande número deles contou, inclusive, que já chegaram a ter 100% de seus salários retidos pela instituição, o que fere tanto a lei distrital nº 7.239/23 quanto o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8078/90) no que se refere à preservação do mínimo existencial e à oferta do crédito responsável.
Dentre outras críticas, participantes apontaram a falta de vontade de negociar dívidas por parte dos gerentes, e que muitos deles sequer atendem os correntistas endividados. Além disso, houve inúmeras falas sobre o serviço de cartão de crédito do banco, o BRB Card. Segundo correntistas, há uma imensa dificuldade em ser atendido pelo serviço via telefone e chega-se a ter que ficar mais de duas horas em linha para se conseguir qualquer atendimento. Um participante chegou a narrar que o atendimento automatizado desliga a chamada imediatamente quando um endividado insere seu CPF durante a ligação.
A oferta massiva de crédito facilitado aos servidores também foi alvo de questionamentos. A professora Jessica Nayara dos Santos criticou a postura do banco, afirmando que há uma falsa política de educação financeira sendo aplicada pela instituição, que “exime a responsabilidade do banco e coloca a culpa no correntista”. A professora classificou como “prática abusiva” a postura do BRB de ofertar créditos vultosos tanto via aplicativo como nas próprias agências e lembrou que é, inclusive, proibido pelo código de defesa do consumidor. “Todos os servidores são assediados diariamente pelo BRB”, afirmou.
O professor aposentado Roberto Luiz atribuiu ao “achatamento salarial” em virtude do alto nível de inflação um dos fatores responsáveis pelo endividamento. O professor cobrou do GDF, como maior acionista do BRB, soluções para tratar da crise de endividamento dos servidores e afirmou que os reflexos psicológicos têm sido preocupantes. Luiz afirmou que a solução para a crise passa por “diminuição dos juros e repactuação das dívidas na forma de refis aos endividados”.
Representantes dos servidores destacaram que os efeitos psicológicos sobre o endividamento e a perda da capacidade de negociação junto ao banco têm causado afastamento do serviço de diversos servidores do DF, principalmente na área policial, de saúde e da educação. Casos de depressão e até suicídio foram trazidos à audiência para descrever como a crise do endividamento tem se tornado uma questão de saúde pública em meio aos servidores.
O vice-presidente da Associação Brasiliense de Apoio aos Servidores Endividados, Jorge Montanha, cobrou do BRB uma solução urgente para se estancar a crise do endividamento. Ele reforçou que o prejuízo à saúde mental dos servidores é um dado preocupante e que todo serviço público tem saído prejudicado com a situação. “Não temos como continuar deixando as pessoas se matarem, passarem fome, serem humilhadas e passarem vergonha porque, num momento de necessidade, se endividaram”, disse montanha em apelo aos gestores do banco.
A servidora Kátia Freitas, uma das que alegaram estar com 100% do salário bloqueado pelo banco, pediu uma solução urgente para seu caso, afirmando que sua situação é dramática e que tem conseguido viver à custa de doações. “A gente está pedindo socorro. Não estamos pedindo para não pagar, mas estamos pedindo ao BRB para sobreviver com dignidade de pelo menos conseguir ir ao mercado no final do mês”, desabafou.
Outra reivindicação dos participantes foi a “quebra do monopólio” do BRB como instituição financeira responsável pelos servidores do GDF. Essa ação foi apontada como uma das soluções para garantir maior liberdade aos usuários para renegociar suas dívidas em outras instituições.
A presidente da Caixa de Assistência e Benefícios ao Servidor do GDF (CABS), Elied Barbosa de Oliveira, afirmou que está em andamento uma proposta de emenda à Lei Orgânica do DF com o intuito justamente de suprimir os parágrafos da lei que tratam do monopólio do BRB. Eliete afirmou que a proposta já tem 17 mil assinaturas, restando apenas 6 mil para atingir o número exigido. “Enquanto o BRB detiver o monopólio do nosso salário nós não vamos sair dessa”, afirmou.
A organizadora da audiência, deputada Paula Belmonte, que também preside a Comissão de Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle (CFGTC), declarou que vai criar um grupo de trabalho, no âmbito da comissão, com representantes do Poder Executivo, do Legislativo e da sociedade civil para traçar soluções para o problema.
A distrital afirmou que está empenhada em construir soluções para o problema dos endividados e em cobrar que a lei nº 7.239/23 seja cumprida, garantindo a responsabilidade na oferta de crédito pela instituição. Ela cobrou do banco uma política que garanta o caráter social da instituição. “O que é importante é não escravizar [os servidores], porque estamos falando de dignidade humana. Essa audiência pública visa principalmente a dignidade dos servidores”, destacou a deputada.
O deputado Gabriel Magno (PT) sugeriu que se faça uma espécie de refinanciamento para os endividados, à exemplo do REFIS aprovado pela CLDF no projeto de lei complementar nº 31/2023, que instituiu o Programa de Incentivo à Regularização Fiscal do Distrito Federal (Refis-DF 2023) . “O problema é sistêmico. Apenas o cumprimento da lei não é suficiente”, afirmou o distrital.
Belmonte afirmou que a ideia é válida, mas reforçou que é imprescindível que o banco apresente soluções perenes que evitem a entrada de mais pessoas na situação do endividamento.
O superintendente jurídico do banco de Brasília, Leonardo Jorge Queiroz Gonçalves, afirmou que a instituição não está de olhos fechados para a situação dos endividados. Ele rebateu as afirmações de que o banco veda a possibilidade de portabilidade das contas e a renegociação das dívidas com outras instituições.
Gonçalves afirmou que a legislação federal e resoluções do Banco Central garantem a portabilidade por parte dos correntistas e que o BRB não tem feito obstrução a essa possibilidade. “Primamos pelo cumprimento da lei”, destacou. A fala do superintendente foi contestada de imediato pelos servidores presentes, que alegam não conseguirem negociar suas dívidas em outra instituição.
A deputada Belmonte afirmou que vai acompanhar de perto essa situação e que o Grupo de Trabalho vai empenhar esforços para verificar se o banco está cumprindo as determinações legais.
O defensor público e chefe do Núcleo de Defesa do Consumidor, Antônio Carlos Fontes Cintra, afirmou que tem atuado em uma grande quantidade de casos de endividados do banco. Ele criticou a postura do BRB e a falta de uma atuação humanizada pela instituição. “O BRB desobedece toda e qualquer legislação que diz respeito ao direito que vocês têm”, afirmou o defensor se dirigindo aos correntistas.
Christopher Gama - Agência CLDF
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