O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, nesta terça-feira (14), punir o juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), com uma advertência.
Por maioria, os conselheiros entenderam que o magistrado foi omisso durante a audiência em que a modelo e influenciadora digital Mariana Ferrer prestou depoimento na condição de vítima. Para eles, o juiz permitiu que o advogado do empresário André de Camargo Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, constrangesse e humilhasse a influenciadora com “questionamentos descabidos”, que buscavam desqualificá-la.
Mariana acusa Aranha de tê-la estuprado em 2018. A audiência de instrução do processo ocorreu em 2 dias de julho de 2020. Em setembro de 2020, a 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu Aranha da acusação de estupro de vulnerável por entender que o empresário não tinha como saber que, na ocasião, Mariana não tinha condições de consentir com a relação sexual, o que afastava a hipótese de crime doloso (intencional).
A defesa da influenciadora recorreu da decisão, mas, em outubro de 2021, o TJ-SC manteve a sentença, apontando não haver provas que sustentassem a acusação. A decisão agora está sendo questionada no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As imagens da audiência, realizada por videoconferência, se tornaram públicas em novembro de 2020, quando o Ministério Público pediu a quebra de sigilo do processo. O vídeo da audiência mostra que, ao longo de mais de 3 horas, o advogado Rosa Filho exibiu fotos pessoais de Mariana, fazendo comentários misóginos que não tinham relação com o mérito do processo em questão. Na avaliação dos conselheiros do CNJ, o defensor também humilhou e desrespeitou a influenciadora por várias vezes sem que o juiz ou o promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, interviessem.
A divulgação do vídeo teve grande repercussão junto à opinião pública .
A pedido do conselheiro Henrique D´Ávilla, que classificou a audiência como uma “sessão de tortura psicológica”, o CNJ instaurou um procedimento disciplinar para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos.
“[Em um primeiro momento] Ao me debruçar sobre o caso e registrar meu voto pela apuração da conduta, tive a impressão de que se tratava de uma análise relacionada à diligência do magistrado, mas examinando detidamente a audiência vejo que o quadro é muito mais grave porque revela de maneira muito transparente a equivocada compreensão do requerido sobre o verdadeiro papel do magistrado na presidência de uma audiência relacionada a crimes contra a dignidade sexual, além de evidenciar um tratamento diferenciado que foi dispensado pelo requerido à vítima e ao advogado de réu”, comentou a conselheira Salise Sanchotene, relatora do processo administrativo, ao votar para que o juiz seja advertido por “omissão em frear questionamentos descabidos que violaram a dignidade da vítima”.
A advertência é a pena mais leve que o CNJ pode aplicar a um magistrado. Para a relatora e outros conselheiros, o comportamento do juiz poderia motivar sua remoção compulsória, caso ele mesmo não tivesse pedido para ser transferido para outra vara de Justiça. “Também acho que este é um magistrado que não tem o perfil para atuar em uma vara criminal, mas como ele já não está mais atuando em uma vara criminal, a pena seria inócua e desproposital”, acrescentou a conselheira, destacando que Rudson Marcos não tem nenhuma queixa anterior que desabone sua atuação na magistratura. Fato destacado pelo advogado Rodrigo Colasso, que representou o juiz perante o CNJ.
“É um juiz exemplar, com uma carreira proba e que nunca proferiu qualquer ato ou decisão misógina ou machista”, disse o advogado, sustentando que qualquer punição a Rudson Marcos pode influenciar os rumos do processo criminal que Mariana Ferrer move contra André de Camargo Aranha. “Um juízo de reprovação ao magistrado vai influenciar o processo penal, porque a tendência dos órgãos judiciais será dizer que se o CNJ entendeu que o juiz não agiu com a prudência necessária, a tendência será anularem a audiência, o que gera prejuízos ao réu, bem como se disserem que o juiz deve ser absolvido, o prejuízo será à vítima [Mariana]”.
Em novembro de 2021, foi publicada a Lei nº 14.245 , que prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos, e que ficou conhecida como Lei Mariana Ferrer.
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